Comunicado conjunto sobre revisão do Código da Estrada



Comunicado conjunto sobre revisão do Código da Estrada

Em claro contraste com a legislação de outros países europeus, o Código da Estrada (CE) português descura a proteção, promoção e dignificação dos peões e ciclistas. Estes são precisamente os meios de transporte com maiores benefícios para a saúde pública, a sustentabilidade ambiental e urbana, e para a economia nacional atendendo, em particular, à forte dependência energética do país em relação aos combustíveis fósseis.

Não surpreende, assim, a elevada sinistralidade de peões e ciclistas em Portugal entre as mais elevadas nos países europeus. Neste contexto, é também relevante evocar o acelerado envelhecimento da população portuguesa e a consequente necessidade de tornar as ruas seguras para esta faixa populacional, que se desloca sobretudo a pé e em transporte público. São os idosos e as crianças que mais morrem por atropelamento em meio urbano em Portugal.

É, pois, urgente alterar profundamente a filosofia do CE português. É imprescindível que este se aproxime das normas dos países europeus com melhores índices de segurança rodoviária e da Convenção sobre Circulação Rodoviária (Convenção de Viena CCR) de 1968, a qual Portugal assinou em 2010 mas que a anunciada revisão do CE português continua a não respeitar integralmente.

A Assembleia da República (AR) reconheceu essa necessidade na sua Resolução n.º14/2012, na sequência da qual o Conselho de Ministros anunciou recentemente uma proposta de revisão do CE que introduz algumas alterações positivas (Proposta de Lei n.º 131/XII). No entanto, esta proposta contém erros e lacunas que contradizem a Resolução da AR e colocam em risco a ambição de Portugal dispor, finalmente, de um CE que confira a segurança que os utilizadores mais frágeis (peões e ciclistas) merecem.

A ACAM (Associação de Cidadãos AutoMobilizados), MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta) e UVP-FPC (União Velocipédica PortuguesaFederação Portuguesa de Ciclismo) vêm por este meio apelar à AR que, ao legislar a revisão definitiva do CE, corrija esses erros e lacunas fundamentais. Mais precisamente:

● Que os artigos que regulamentam o trânsito dos peões (Título III do CE) sejam profundamente revistos com base nos princípios básicos da equidade e justiça. Por exemplo, em situações em que o meio rodoviário não confere ao peão direito a um espaço próprio, a responsabilidade da sua protecção deve recair sobre o condutor de veículo motor e não sobre o próprio peão. Da mesma forma, deve ser corrigida a hierarquia social que o CE estabelece actualmente, na qual o peão é obrigado a não prejudicar o trânsito de veículos mesmo quando está a utilizar o passeio (a anunciada proposta acrescenta a berma!).

● Que o articulado relativamente ao atravessamento da faixa de rodagem seja revisto. Mesmo quando da existência de passagens de peões, o articulado do CE demonstra maior preocupação com a fluidez do tráfego automóvel que com a protecção dos mais vulneráveis: a cedência de passagem é formulada de forma a que o condutor só deve “parar para deixar passar os peões que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.”. Esta última formulação é mesmo uma violação da Convenção de Viena que estipula que a cedência de passagem por parte do condutor deve acontecer antes do peão iniciar o atravessamento.

● Que o direito que é reconhecido aos condutores dos veículos em geral, de decidir o seu posicionamento dentro da via de acordo com as circunstâncias e de acordo com a sua própria análise das mesmas, não seja negado aos ciclistas (tal como acontece em França, R.U., Holanda, entre outros), justamente aqueles cuja segurança mais depende desse mesmo direito.

● Que, em qualquer ultrapassagem a uma bicicleta, tenha de ser assegurada uma distância de pelo menos 1,5 metro, tal como estipulado em Espanha, França, Brasil, entre outros. Dessa forma reduzse o risco de, no caso de imprevistos que obriguem a bicicleta a desviarse subitamente da sua rota (existência de obstáculos ou defeitos no piso, desequilíbrios ou quedas, entre outros), ocorrer um atropelamento.

● Que se permita a circulação a par em vias partilhadas com outro tráfego, mesmo quando surjam veículos motorizados na retaguarda. A circulação a par é, por exemplo, a melhor alternativa para um adulto acompanhar, de bicicleta, uma criança ou jovem que já pedala. Tal como noutros países (Espanha, França, R.U., Holanda, entre outros), só por opção dos condutores de bicicleta ou quando a circulação a par cause embaraço ou perigo para o trânsito é que as bicicletas devem mudar para circulação em fila.

● Que se retire a obrigatoriedade de circulação em vias reservadas a bicicletas quando estas existam. Esta obrigatoriedade universal, inexistente em Espanha, França, R.U. e Holanda (entre outros), é discriminatória para a bicicleta, pois em muitas situações as vias reservadas são desconfortáveis, inseguras, partilhadas com peões e o seu desenho implica geralmente maiores tempos de deslocação que as vias disponíveis ao restante tráfego. Esta regra ilegaliza também o treino e prática desportiva do ciclismo na faixa de rodagem adjacente, sempre que exista uma via reservada a bicicletas (cuja implementação tem vindo a proliferar dentro e fora das localidades). Nestes casos, as seguradoras deixarão mesmo de proteger o ciclista em caso de sinistro, argumentando o não cumprimento da lei.

Finalmente, os signatários notam que a revisão das leis portuguesas por forma a proteger, promover e dignificar os modos ativos de transporte não se limita ao CE. Os signatários apelam, pois, à AR que prossiga o esforço que iniciou em 2012 e reveja de forma ambiciosa e rigorosa toda legislação complementar ao CE que rege as ações e interações entre os vários meios de transporte que partilham o espaço público. Nomeadamente o Regulamento de Sinalização de Trânsito (DR 22A/ 98) de forma a introduzir sinalética imprescindível para a melhor proteção dos peões e ciclistas, o Código Civil de forma a introduzir o conceito de Responsabilidade Objetiva (Loi de Badinter, Strict Liability isto é, que a lei respeite a cadeia de responsabilidade civil em função da fragilidade, para uma mais efectiva defesa dos peões e ciclistas). Só assim Portugal estará a dar os passos acertados para melhorar a qualidade de vida nas nossas cidades e alterar o corrente paradigma de mobilidade que contribui para colocar o país em enormes dificuldades económicas e financeiras.

As organizações signatárias:
ACA-M
MUBi
UVP-FPC

 

2013-04-09 - 12:41:28

 


 

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