Carta Aberta - Priorizar os investimentos na mobilidade em bicicleta no Plano de Recuperação e Resiliência



Carta Aberta - Priorizar os investimentos na mobilidade em bicicleta no Plano de Recuperação e Resiliência

Exmo. Senhor Ministro do Planeamento
Exmo. Senhor Ministro de Estado e das Finanças
Exmo. Senhor Ministro do Ambiente e da Ação Climática

Assunto: Priorizar os investimentos na mobilidade em bicicleta no Plano de Recuperação e Resiliência

Exmos. Senhores Ministros, é necessário priorizar os investimentos na mobilidade em bicicleta no Plano de Recuperação e Resiliência. Recomendamos alocar à bicicleta um investimento mínimo correspondente a 10% do capital investido no sector dos transportes, e também incentivos à aquisição e utilização da bicicleta.

A pandemia de COVID-19 causou desafios sem precedentes ao nosso país, não só em termos de saúde pública, mas criando também dificuldades sócio-económicas com muitas pessoas a perderem o seu emprego.

Contudo, testemunhámos também sinais encorajadores de resiliência. Apesar do uso do transporte público ter reduzido dramaticamente, milhões de cidadãos europeus passaram a utilizar a bicicleta como o seu principal meio de transporte. A procura de novas bicicletas levou à ruptura de stocks em numerosas lojas. Muitas cidades europeias responderam  construindo ciclovias pop-up ou com outras medidas que permitissem o distanciamento físico entre pessoas. O inventário de medidas COVID-19 , gerido pela Federação Europeia de Ciclistas (ECF), identificou que foi anunciada a criação de mais de 2300 km de ciclovias-COVID por toda a União Europeia, com um compromisso de investimento que ultrapassou os mil milhões de euros. A bicicleta é o “novo normal”.

No âmbito da preparação do Plano de Recuperação e Resiliência, consideramos urgente e essencial que este inclua investimentos na promoção da mobilidade activa e, em particular, do uso da bicicleta. Com a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 , o Governo assumiu o objectivo de convergência da quota modal de viagens em bicicleta no território nacional com a média europeia até 2030. Os documentos orientadores da Comissão Europeia recomendam o reforço na mobilidade activa e inteligente sob a iniciativa emblemática “Recarregamento e Reabastecimento” . Céline Gauer, chefe do Grupo de Trabalho Recuperação e Resiliência no Secretariado Geral da Comissão Europeia, confirmou publicamente, no recente evento Urban Mobility Days, que “as ciclovias são precisamente o tipo de investimento que queremos ver no Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Ciclovias criam 30% mais empregos na sua construção do que projectos rodoviários convencionais”. Para além dos benefícios económicos, é sempre importante referir que o investimento na mobilidade activa contribui também para os objectivos em matéria de alterações climáticas.

Deste modo pedimos que o Governo implemente políticas que atribuam às deslocações em bicicleta a possibilidade de terem vantagens relativamente aos veículos movidos a combustíveis fósseis, no Plano de Recuperação e Resiliência. Especificamente recomendamos:

1. O investimento mínimo de 10% do capital investido no sector dos transportes deve ser alocado à mobilidade em bicicleta.

a. Investir na promoção da mobilidade em bicicleta através de campanhas inseridas num esforço mais alargado de mudar a cultura de mobilidade em Portugal, incluindo apoio de iniciativas educacionais e motivacionais para o uso utilitário da bicicleta abrangendo adultos trabalhadores e crianças no âmbito da mobilidade escolar.

b. Promover a implementação de alterações do espaço público no sentido de aumentar a segurança dos modos activos, nomeadamente medidas de acalmia de tráfego, zonas 30 e de coexistência.

c. Investir em redes de infraestrutura para a bicicleta ao nível urbano, peri-urbano, intermunicipal e regional.

d. Transformar ciclovias pop-up em infraestruturas permanentes.

e. Promover a implementação de soluções de multimodalidade e mobilidade partilhada, como parqueamento para bicicletas nos terminais de transporte público, em particular nas estações de comboio, e sistemas de bicicletas partilhadas.

f. Apoiar a implementação de zonas de emissões reduzidas em centros urbanos.

2. Incentivos à aquisição e utilização da bicicleta.

a. Incentivos à aquisição de bicicletas. Onde têm sido aplicados, em particular os apoios à compra de bicicletas eléctricas, têm sido muito bem sucedidos no aumento da procura de mercado e tornado a utilização da bicicleta mais atractiva para novos grupos da população. Como referência para valores mínimos do apoio anuais , sugerimos:

i. Bicicletas convencionais - apoio de 50%, com um limite máximo de 200 euros, para um total de 5000 bicicletas.

ii. Bicicletas com assistência eléctrica - apoio de 50%, com um limite máximo de 500 euros, para um total de 5000 bicicletas.

iii. Bicicletas de carga - apoio de 50%, com um limite máximo de 750 euros, para um total de 500 unidades.

b. Programa de incentivo a movimentos pendulares casa-trabalho em bicicleta, a exemplo dos que já existem em vários países europeus. Este tipo de programas tem um grande potencial na transferência modal efectiva do automóvel para a bicicleta nas deslocações quotidianas, e comprovadamente resulta num excelente retorno positivo para a sociedade, nomeadamente em termos de saúde pública e também, e por conseguinte, de redução do absentismo laboral. Com base em dados desses programas (~20 cêntimos por quilómetro), estimamos que seria necessário um valor na ordem de 5 milhões de euros anuais para a operacionalização do programa em Portugal.

Na União Europeia, a utilização da bicicleta gera anualmente mais de 150 mil milhões de euros de benefícios sócio-económicos , ao mesmo tempo que suporta 650 mil postos de trabalho . Contribui para a saúde pública e provou ser um meio de transporte extremamente acessível e resiliente durante a pandemia de COVID-19. Projectos relativos à mobilidade em bicicleta permitirão alocar fundos e executar investimentos de forma relativamente célere.

Por último, com a Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente, da Comissão Europeia, a reafirmar o objectivo de redução de 90% das emissões do sector dos transportes até 2050  e o Conselho Europeu a ter adoptado a meta de redução nas emissões de pelo menos 55% até 2030, não se vislumbra nenhuma forma de alcançar tais objectivos sem um aumento substancial no uso da bicicleta. Ora, contrariamente a estas orientações, a presente versão do Plano de Recuperação e Resiliência - sem investimentos propostos para a mobilidade activa - destina 723 milhões de euros a infraestruturas rodoviárias. Numa análise ao Plano português, o Wuppertal Institute e o E3G  apontam que a versão preliminar só alcançava 27% do investimento em acção climática , abaixo do limiar mínimo de 37% determinado por Bruxelas.

Com os melhores cumprimentos,

MUBi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta
Apartado 2558, EC Praça do Município, 1114-001 Lisboa
https://mubi.pt/           geral@mubi.pt

Federação Portuguesa de Ciclismo
Rua de Campolide 237, 1070-030 Lisboa
https://www.fpciclismo.pt/           geral@fpciclismo.pt

European Cyclists' Federation
Rue de la Charité 22, 1210 Brussels, Belgium
https://ecf.com/           office@ecf.com

26 de Fevereiro de 2021


CC:
Exma. Senhora Ministra de Estado e da Presidência
Exmo. Senhor Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital
Exmo. Senhor Secretário de Estado do Planeamento
Exmo. Senhor Secretário de Estado da Mobilidade

 

2021-02-26 - 11:31:16

 


 

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